As crianças surdas têm menos acesso a conteúdos culturais que as ouvintes. Isso ocorre, entre outros fatores, por conta da falta de materiais literários produzidos na Língua Brasileira de Sinais (Libras). Para ajudar a preencher essa lacuna, foi desenvolvido na UFSCar o programa #CasaLibras, coordenado pela professora Vanessa Regina de Oliveira Martins, docente do Departamento de Psicologia (DPsi). As atividades do programa, iniciadas na pandemia da Covid-19, são voltadas a crianças surdas e contam com a produção de materiais literários em Língua Brasileira de Sinais (Libras), bem como eventos virtuais interativos e em apoio às escolas. A partir dessa iniciativa, foi lançado, em formato digital, o livro "#CasaLibras - Educação de surdos, Libras e infância: ações de resistências educativas na pandemia da Covid-19". A obra reúne a produção de materiais em Libras, desenvolvidos pelo programa #CasaLibras, da UFSCar, com narrativas advindas de histórias infantis populares.
O objetivo do programa é ampliar o conhecimento cultural das crianças surdas por meio da democratização da cultura popular literária, explicam os organizadores da publicação, os professores Vanessa Martins e Guilherme Nichols e a servidora técnico-administrativa Regina Célia Torres, todos do DPsi da UFSCar. A obra é gratuita e pode ser acessada em https://bit.ly/3z0eaYD.
"As narrativas voltadas a crianças surdas levam em consideração a especificidade visual que a modalidade linguística da Libras traz", detalha a coordenadora do programa #CasaLibras. Ela conta que, para chegar até as crianças surdas, essas narrativas também consideram a produção discursiva com escolhas de vocabulários, na língua de sinais, que expandem a gestualidade e alguns recursos imagéticos (verbais e não verbais), de modo que seja favorecida a apropriação do conteúdo das histórias também por crianças surdas que estão em aquisição tardia de linguagem. "Mais de 90% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes e acabam tendo contato com a Libras apenas na escola. Portanto, pelo desconhecimento e não uso dessa língua por seus familiares, a criança adentra à escola com um restrito uso de gestos caseiros, com uma aquisição de conteúdo e conhecimento de mundo aquém do esperado, isso por conta da aquisição tardia da Libras pela falta de interlocutores em potencial para tal desenvolvimento", relata a professora.
O livro
O livro recebeu o nome de "#CasaLibras - Educação de surdos, Libras e infância: ações de resistências educativas na pandemia da Covid-19", porque divulga os dados e resultados de produção de ensino, pesquisa e extensão do programa, que enfoca a criação de narrativas literárias em Libras para crianças surdas.
As atividades do programa são voltadas para a educação de surdos, produção de materiais literários em Libras e apoio às escolas inclusivas com programas bilíngues, por meio da oferta de formação e atividades lúdicas dirigidas às crianças surdas. O #CasaLibras nasceu durante a pandemia da Covid-19 por conta do isolamento social e a falta de materiais didáticos em Libras. Desde então, seus materiais têm sido usados de forma ampla e gratuita em escolas públicas de todo o Brasil, conta Martins.
A obra é composta por artigos de professores que trabalham com o conceito de "Educação na Diferença", numa perspectiva filosófica de abordagem francesa, explica a coordenadora do programa.
O trabalho apresenta quatro áreas de discussão. A primeira é formada por capítulos de autores que compõem a rede de estudo no campo da diferença em diálogo com as questões de inclusão, infância e surdez. No segundo tópico, o leitor encontra ações e pesquisas interligadas a crianças surdas e ao #CasaLibras. O terceiro eixo apresenta análises da abrangência nacional do programa; por fim, o livro reúne relatos de experiências da equipe da iniciativa, composta por docentes, estudantes de graduação e pós-graduação e técnico-administrativos da UFSCar. A ilustração da capa foi criada por Anderson Marques da Silva e Regina Célia Torres, ambos técnico-administrativos da UFSCar.
"Os textos teóricos são base para o constructo epistemológico que pauta nosso programa e que pode ser material importante para docentes de alunos surdos, pesquisadores e estudantes de graduação e pós-graduação da área da filosofia da diferença, mesmo aos que trabalham com outras temáticas voltadas à infância e as ações inclusivas a grupos minoritários, bem como a gestores de escolas que precisam lidar com concepções voltadas a práticas educativas a crianças surdas e às diferenças. Além disso, o livro traz capítulos mais ensaísticos e relatos de experiência que abordam práticas desenvolvidas pela equipe do #CasaLibras, de modo que tais relatos poderão contribuir com estudantes em formação nas áreas de tradução e interpretação Libras/Língua portuguesa, Educação Especial, Imagem e Som e outras áreas transversais à Educação", detalha Martins.
Trabalho inovador
Vanessa Martins explica por que o trabalho é inovador: "Primeiro porque não temos repositórios midiáticos livres, de grande porte, voltado a crianças surdas. Segundo porque temos poucas produções literárias com narrativas em Libras de pessoas de toda parte do Brasil, representando a comunidade surda como as construídas neste programa. E, por fim, porque temos hoje no #CasaLibras um repositório variado culturalmente e de uso gratuito, com ampla circulação e que vem sendo usada por instituições de ensino públicas do Brasil todo".
Esses materiais estão compilados no canal do #CasaLibras no Youtube. "A necessidade de instrumentalizar as escolas com conteúdos literários e também de entretenimento às crianças surdas, no isolamento social, fez com que a ação ganhasse urgência de desenvolvimento", avalia a coordenadora. "Esperamos que a obra ?viralize? mais ações voltadas aos estudos sobre surdez, infância e diferenças", complementa.
O livro, disponível gratuitamente no site Pedro e João Editores, recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no âmbito do Programa de Pós-graduação em Educação Especial (PPGEEs) - por estar vinculado a pesquisas da primeira organizadora, Vanessa Martins, docente do Programa. O #CasaLibras é vinculado à Pró-Reitoria de Extensão (ProEx) da UFSCar. Mais informações podem ser solicitadas pelo e-mail vanessamartins@ufscar.br.