Flexibilização, precarização, perda de direitos e ataques constantes a sindicatos são características não exclusivas do mercado de trabalho brasileiro, mas disseminadas pelo mundo - com suas peculiaridades. Análises dessas experiências em países diversos estão compiladas no livro "O trabalho em crise: flexibilidade e precariedades", lançado pela EdUFSCar.
A obra é organizada pelos docentes Marcia de Paula Leite, da Faculdade de Educação e do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Magda Barros Biavaschi, também do IFCH e do Instituto de Economia da Unicamp; Carlos Salas, do Departamento de Economia da Universidad Autónoma Metropolitana (UAM), México; e Jacob Carlos Lima, do Departamento de Sociologia (DS) da UFSCar.
Ao longo de 275 páginas, o livro reúne resultados de pesquisas apresentadas em seminário internacional realizado no final de 2017, no âmbito do projeto temático intitulado "Contradições do trabalho no Brasil atual: formalização, terceirização, precariedade e regulação", apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A publicação é dividida em quatro partes. A primeira, "Reformas trabalhistas em curso na América Latina", traz artigos referentes ao Brasil, Argentina e México, cujas reformas têm características comuns, como mudanças nas legislações trabalhistas e retirada de direitos dos trabalhadores, bem como ataque aos sindicatos. São transformações que ocorrem no âmbito do capitalismo contemporâneo hegemonizado por interesses das finanças em escala global.
Jacob Lima explica que essas reformas se vinculam aos processos de flexibilização e precarização do trabalho. "No momento em que você desregula os estatutos do trabalho, permite que o trabalho seja utilizado da forma como interessa aos patrões. Essa flexibilização envolve jornadas de trabalho exaustivas, sem carga horária definida, ou mesmo inexistência de contratos. São elementos que implicam, para o trabalhador, um processo de precarização", detalha.
Ou seja: a sociedade sai do regime legislado para o negociado. "O governo traz o discurso de que a reforma visa a fortalecer a negociação ao favorecer o encontro entre o capital e o trabalho, sem a intervenção da lei ou do Estado. Na prática, ela retira a lei e, também, a capacidade de negociação de trabalhadores e sindicatos", esclarece Leite.
No caso específico do Brasil, a reforma trabalhista vem acompanhada de ataques sistemáticos à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e vende a imagem - equivocada, segundo o pesquisador da UFSCar - de que o capitalismo brasileiro se tornará mais competitivo. "Ela não significa mais empregos e liberdade; pelo contrário: há um processo permanente de perda de direitos dos trabalhadores. Isso significa, concretamente, a perda de possibilidades de sobrevivência, de planejamento de futuro, qualidade de vida, inserção social e mobilidade", pontua Lima.
"Há três elementos específicos da reforma trabalhista brasileira que incidem diretamente sobre a capacidade sindical de defender os trabalhadores: a retirada do imposto sindical, a retirada da capacidade de os sindicatos estarem presentes em momentos decisivos do encontro entre trabalhadores e empresários e o fim da ultratividade", enumera Leite.
Com a abrupta extinção do imposto sindical pela reforma trabalhista brasileira, muitos sindicatos não conseguiram se manter, fecharam, ou viram sua capacidade de organização brutalmente diminuída por ser esta sua principal forma de financiamento, sem lhes ter sido proporcionada qualquer possibilidade de se adaptarem à nova realidade. A possibilidade de acordos individuais em vários momentos da relação entre capital e trabalho também enfraquece a instituição sindical. "Um dos momentos em que a reforma estabelece essa possibilidade é na homologação da demissão do trabalhador. Antes, o sindicato fazia a correção de todas as contas que a empresa deveria pagar, e a demissão só era realizada efetivamente quando havia a homologação do acordo final no sindicato. Isso obrigava as empresas a pagarem o que deviam, o justo, ao trabalhador. Agora, isso comumente não ocorre mais, o que causa ainda mais perdas", detalha Leite.
Já a ultratividade, conforme explica a pesquisadora, envolve o momento no qual acaba o período de uma convenção coletiva e o sindicato negocia com o patronato uma nova. Enquanto isso, os direitos contidos na antiga continuam valendo. "Isso era fundamental para que os sindicatos não fossem pressionados a assinar uma nova convenção sem estar de acordo. Com o fim da ultratividade, ao terminar a vigência de uma convenção, os trabalhadores perdem os direitos, inclusive de reajustes. Há um cenário caótico: os trabalhadores ficam em pânico e o sindicato se vê obrigado a assinar qualquer coisa", sintetiza Leite.
Futuro
A segunda parte do livro - "Novas experiências do trabalho, em tempos de gestão e precarização" - discute experiências que aceleram a precarização do trabalho, com casos específicos do Brasil e da França. Um dos artigos aborda a nova cultura do trabalho com foco no digital. As novas formas com que a Tecnologia da Informação (TI) se coloca no mercado, especialmente para os jovens, mostram exaustivas jornadas e um trabalho dependente de projetos - ou seja, em que mesmo com contrato, os jovens dependem de clientes para que haja novos projetos e continuem trabalhando, sem garantias.
"Além disso, a solução na TI precisa chegar em um prazo muito curto, o que gera trabalho intenso e estressante. Os jovens têm um maior domínio sobre a tecnologia e são considerados flexíveis, pois se dispõem mais facilmente a adaptações. Então, essa nova cultura do trabalho é romantizada - os jovens têm de ser empreendedores, inovadores, atualizados, para acompanhar as mudanças da tecnologia -, quando na verdade essas características são mais um fator de pressão sobre eles", relata Lima.
Já a terceira parte, intitulada "Tendências atuais e perspectivas do sindicalismo", aborda os desafios colocados aos sindicatos frente à globalização, discutindo tanto o cenário mundial, como o brasileiro, a partir da análise da atuação sindical no Brasil durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT).
Por fim, a obra debate, em sua quarta parte, as "Perspectivas para o futuro do trabalho", que, com a continuidade e o aprofundamento do neoliberalismo, em que o poder do capital sobre o trabalho e as desigualdades sociais se tornam cada vez maiores, não são animadoras. Leite aponta um quadro mundial desolador: "A configuração atual do trabalho envolve o lucro em curto prazo, o investir hoje para ganhar amanhã, pois o que importa é a valorização do capital. Com isso, há perdas enormes para a capacidade de luta dos trabalhadores e sindicatos, que só aumentam no quadro atual da Covid-19. Com essa configuração, o futuro do trabalho não traz perspectivas muito alvissareiras", alerta a pesquisadora.
O livro "O trabalho em crise: flexibilidade e precariedades" pode ser adquirido no site da EdUFSCar.