A Tecnologia Assistiva (TA) é a área do conhecimento que envolve dispositivos, serviços e métodos com o objetivo de favorecer a participação na sociedade de pessoas com deficiência ou, também, aquelas com necessidades específicas temporárias para manutenção de sua qualidade de vida, promovendo assim inclusão e autonomia. O campo tem ganhado evidência no Brasil, particularmente após as políticas públicas advindas do plano Viver sem Limites e, recentemente, com a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), e um lançamento da Editora da UFSCar (EdUFSCar) contribui com o desenvolvimento da área, ao reunir fundamentos teóricos e experiências práticas da TA, no escopo da Terapia Ocupacional (TO).
O livro "Formação em Terapia Ocupacional para uso da Tecnologia Assistiva: experiências brasileiras contemporâneas" tem organização das docentes e pesquisadoras Ana Cristina de Jesus Alves, da Universidade de Brasília (UnB); Miryam Bonadiu Pelosi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e Claudia Maria Simões Martinez, da UFSCar.
Considerada a primeira publicação sobre a formação de profissionais de Terapia Ocupacional na área de Tecnologia Assistiva no Brasil, a obra compila pesquisas apresentadas pelo grupo de trabalho de TA no Encontro Nacional de Docentes em Terapia Ocupacional e no V Seminário de Pesquisa em Terapia Ocupacional, promovidos pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa em Terapia Ocupacional (Reneto) em 2018.
O livro é voltado a profissionais e estudantes de graduação e pós-graduação em Terapia Ocupacional. Além disso, interessa a pessoas de outras áreas da Saúde, além de Educação, Educação Especial, Educação Física, Fisioterapia, Design e Engenharias, já que a TA tem abrangência interdisciplinar, com equipamentos, métodos e serviços que envolvem desde atividades cotidianas até modalidades esportivas e contextos hospitalares.
Definição, dispositivos, métodos e serviços de TA
Com 157 páginas, a obra está dividida em três partes. A primeira traz um contexto histórico da TA no Brasil, bem como seus principais conceitos e características, além da abordagem no escopo da Terapia Ocupacional.
Dispositivos e equipamentos talvez sejam a dimensão mais conhecida da Tecnologia Assistiva, tais como aqueles voltados à acessibilidade ao computador (softwares para desenvolvimento de comunicação alternativa, mouses adaptados, tablets); órteses e próteses; auxílios de mobilidade (rampas, andadores, cadeiras de rodas, muletas); adaptações em veículos; auxílios para surdos e pessoas com déficit auditivo, cegos e pessoas com baixa visão (aparelhos, avatares em Língua Brasileira de Sinais - Libras, lupas manuais ou eletrônicas), dentre outros. No entanto, a TA também envolve serviços prestados a pessoas com deficiência ou alguma dificuldade funcional, com o objetivo de favorecer sua participação na sociedade. "A definição sai do foco das limitações dos indivíduos, de uma doença em si, para pensar em soluções e em estruturas de suporte, para possibilitar a participação das pessoas", destaca Alves.
"Se os dispositivos fossem suficientes como TA, bastaria termos lojas que vendessem cadeiras, muletas, comunicadores, e que a pessoa, ao adquirir um desses, já conseguisse ampliar a sua funcionalidade ou possibilidade de atuação. Isso muitas vezes não acontece; o serviço, portanto, entra como mais importante do que o próprio equipamento", complementa Pelosi.
Aqui entra o papel do terapeuta ocupacional no âmbito da TA, já que este profissional comumente utiliza produtos, dispositivos, metodologias, estratégias, práticas e serviços relacionados à TA para avaliar as potencialidades, dificuldades e demandas dos indivíduos com deficiência, de acordo com seus contextos social e familiar, além de levar em conta suas características individuais. "O intuito é auxiliar a pessoa com deficiência que esteja com alguma dificuldade, seja em seu trabalho, lazer, descanso ou comunicação, a desempenhar a sua ocupação da melhor maneira possível", informa Alves.
A partir desse olhar, o profissional é capaz de pensar em estratégias e ações que podem solucionar problemas e promover qualidade de vida às pessoas. "Para isso, não há receita pronta; mesmo tendo as mesmas limitações, por exemplo, os sujeitos são diferentes e têm histórias de vida e características distintas", relata Pelosi.
Martinez defende que um diferencial dado pelo Terapeuta Ocupacional junto a TA é o engajamento nas ocupações. "Usamos o termo 'engajamento ocupacional' para pensarmos na pessoa com deficiência ou necessidades temporárias como alguém que pode e deve assumir o protagonismo e que, juntamente com o terapeuta ocupacional e outros profissionais, ajuda a pensar em soluções ou tomar decisões que visem a melhora em sua qualidade de vida e autonomia. Nesse caminho, o terapeuta ocupacional é um agente potente, por articular pessoa, família, cuidador, professor, treinador (se for o caso de esporte) e ambiente", relata a docente da UFSCar.
Formação de profissionais
A segunda parte da publicação aborda as várias possibilidades de formação do profissional de Terapia Ocupacional na área de TA, desde a graduação, por meio de disciplinas, pesquisas e projetos de extensão, até a pós-graduação, detalhando linhas de pesquisa em programas já existentes no País e abordando o ensino nas modalidades stricto e lato sensu. Os textos resgatam a criação e implementação dessas iniciativas, além de avanços e desafios.
"Há projetos pedagógicos e matrizes curriculares bem distintas para Tecnologia Assistiva na Terapia Ocupacional, com disciplinas que variam carga horária e abordagem. A obra detecta que, em cursos mais novos, há um destaque maior à área, porque a percepção da importância da TA para a formação dos terapeutas ocupacionais já está mais clara para as pessoas", analisa Pelosi.
Por fim, a terceira parte do livro é dedicada às experiências práticas dos profissionais de Terapia Ocupacional no Brasil com a TA, evidenciando o uso não apenas das soluções mais complexas, mas também de alternativas de baixo custo.
Um exemplo de TA de baixo custo para acessibilidade no esporte é o jogo de tênis adaptado. "A alteração estratégica é simples: em vez de quicar só uma vez no chão, a bola quica duas vezes, solução que favorece a participação da pessoa com deficiência no tênis. E isso é muito visível neste campo: hoje, há regras em esportes como futebol ou natação que também foram adaptadas, sem necessariamente utilizar equipamentos elaborados ou custosos", relata Alves. É preciso, portanto, buscar o olhar atento à pessoa e ao cenário, com o foco na solução.
Outro exemplo prático com solução estratégica de TA é o da criança usuária de cadeira de rodas em sala de aula. "Mesmo tendo o seu equipamento, que consiste num dispositivo para deslocamento, ela pode encontrar dificuldades de participação, dependendo da organização da sala. Neste caso, a solução não é apenas um equipamento (só a cadeira de rodas), mas sim a estratégia de reorganizar o espaço, de forma a possibilitar a participação social desta criança nas atividades escolares, assim como os demais alunos", reforça Pelosi.
Segundo a docente da UFRJ, as experiências práticas da Tecnologia Assistiva ajudaram a entendê-la como uma área transversal à formação, que não se restringe a pessoas que tenham proximidade com deficiências (física, cognitiva, auditiva, visual). Qualquer indivíduo, em determinada fase da vida, pode demandar TA, seja num hospital, ou até mesmo em situações cotidianas. "A mulher grávida, por exemplo, pode se beneficiar de rampas para se deslocar com mais autonomia e segurança, assim como uma pessoa empurrando um carrinho com um bebê, que passa a ter necessidades temporárias semelhantes a uma pessoa que se desloca em cadeira de rodas", exemplifica.
Além disso, com o passar do tempo, qualquer pessoa terá perdas funcionais, já que se constituem como um processo natural no envelhecimento. Nesse sentido, a obra é também uma tentativa de sensibilizar as pessoas de que a Terapia Ocupacional e, sobretudo, a Tecnologia Assistiva, são essenciais para a melhoria da qualidade de vida.
No entanto, a área de Tecnologia Assistiva precisa de investimentos para ser aperfeiçoada. "Neste momento, temos como desafio a retomada de recursos financeiros, especialmente nas universidades. Isso é essencial para mapearmos iniciativas de TA já existentes, mas também para avançarmos em ações que promovam a inovação para a acessibilidade e participação das pessoas com deficiência na sociedade", reforça Martinez.
Pelosi complementa, dizendo que o investimento na formação de recursos humanos também é fundamental para o bom funcionamento da Tecnologia Assistiva. "Existem equipes que recebem equipamentos de ponta, com grande potencial, mas que ficam nas caixas por não saberem o que fazer ou como usar. Precisamos capacitar os profissionais das mais diversas áreas, principalmente de Saúde, para lidarem com a TA, ampliando o conhecimento e, consequentemente, fazendo com que ela chegue para toda a população de forma adequada", finaliza a docente.
Lançamento
O lançamento da obra acontece - virtualmente - no dia 29 de setembro, a partir das 17 horas, e ocorrerá no escopo da série de eventos "EdUFSCar no ar", uma iniciativa da EdUFSCar em parceria com a Assessoria para Comunicação Científica e a Coordenadoria de Comunicação Social da Universidade.
A mediação do encontro será da jornalista Adriana Arruda, com a participação das organizadoras da obra. A transmissão será feita via Facebook - nas páginas UFSCar Oficial e EdUFSCar - e YouTube (em UFSCar Oficial). A participação é aberta a todas as pessoas interessadas, que poderão apresentar questões às convidadas. Posteriormente, a versão em áudio será veiculada na Rádio UFSCar e também disponibilizada como podcast.
O livro "Formação em Terapia Ocupacional para uso da Tecnologia Assistiva: experiências brasileiras contemporâneas" está disponível para compra no site da Editora.